
"Não tenho confiança em goleiro negro".
Essa frase foi publicada em um texto esportivo de 2006, ano da Copa do Mundo em que Dida seria o titular da meta da Seleção Brasileira.

Esse estereótipo racista ganhou força há 74 anos e começou com uma derrota da Seleção na Copa do Mundo.
Em 1950, o Brasil entrou em campo para enfrentar o Uruguai na final do Mundial em um Maracanã lotado com cerca de 200 mil pessoas. Pela campanha, o empate dava o título à Seleção, e o caminho parecia mais fácil quando Friaça abriu o placar aos 2' do 2° tempo.
O que era festa por um titulo quase certo se transformou em tristeza quando o Uruguai virou a partida com gols aos 21' e aos 34'. Os relatos são de que o silêncio no estádio foi assustador.
Depois da derrota histórica, a busca pelos culpados começou e a condenação maior foi a do goleiro Barbosa, um jogador negro e até então um dos melhores da América do Sul na posição. A pena: culpa, abandono, humilhação e chacota pelo resto da vida.
Tudo isso porque ele, supostamente, teria falhado no segundo gol uruguaio.
Mesmo com uma carreira brilhante no Vasco, Barbosa passou a ser lembrado pelos gols sofridos na final da Copa.
Morreu pobre, no interior de São Paulo, mas sem se sentir culpado pela perda do título, segundo relatos de uma amiga muito próxima a ele.
“A pena máxima por um crime no Brasil é 30 anos. Eu pago por aquele gol há 50.
— Moacir Barbosa, em entrevista.
Além da responsabilização de Barbosa, aquela derrota criou uma ideia preconceituosa de que goleiro negro não era confiável. Esse estigma fez com que o Brasil vivesse longos períodos sem negros defendendo o seu gol. Depois de Barbosa, Manga, após 16 anos (1966).
Depois de Manga, Dida, que assumiu a titularidade quase 40 anos mais tarde (2002).
O sucesso de Dida, que disputou uma Copa como titular e se tornou um dos goleiros brasileiros mais admirados da história, é comumente usado para justificar que não existe racismo nesse assunto. Mas há uma pista para essa "aceitação": o colorismo.
O conceito do colorismo fala sobre as diferenças de tratamento relacionadas ao tom de pele dos negros — quanto mais escuro, mais sujeitas as pessoas estarão à discriminação.
Outro ponto ainda se destaca nessa discussão. Historicamente os negros são associados à força física e têm as suas outras capacidades desconsideradas, como a de raciocínio e de liderança.
No futebol, isso não é diferente.
De quantos goleiros negros você consegue se lembrar? E negros treinadores e dirigentes? Agora, quantas pessoas brancas consegue nomear em todas essas funções?
Atualmente, enquanto o cenário na Seleção Brasileira continua igual, com apenas goleiros brancos sendo titulares no pós-Dida. O futebol de clubes, claro, não anda muito atrás e segue com pouquíssimos negros de pele escura defendendo as metas dos clubes na Série A.

No passado, Jefferson, Aranha, Felipe... agora, Hugo Souza e John, O caminho ainda parece longo para o rompimento completo de mais essa herança histórica de racismo que o futebol carrega e alimenta.
“Uma das coisas que falo é que o negro, quando subalterno, é bem aceito. Mas, para chegar ao comando, a coisa pega. Aí, é seríssimo. É um processo sutil de eliminação. Será que nós, em um país tão grande, não temos três atletas negros com capacidade de ser treinador?
— Lula Pereira, ex-Flamengo e Ceará, em entrevista à Carta Capital.